ENTREVISTA /Site BOM DIA EUROPA
- Sobre Teatro
- 24 de jun. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jun. de 2020
BOM DIA EUROPA

Dramaturgo, diretor, cenógrafo e ator, Gustavo Paso nasceu no Rio de Janeiro e antes de definir-se pelo teatro, dedicou-se às artes plásticas e à fotografia. Fundador da Cia Teatro Epigenia, suas mais recentes direções são três peças do aclamado diretor norte-americano David Mamet: Oleanna, Race e Hollywood. Como dramaturgo, considera Ariano, no qual homenageia o grande escritor paraibano Ariano Suassuna, seu melhor trabalho.
Quando o encontro com o teatro?
Quando descobri que as ideias que vagavam em minha cabeça de adolescente eram possíveis, através de um caminho mágico, que dava sentido ao que eu vislumbrava e me fazia gemer de prazer, quando uma ideia me tomava o pensamento. Não sabia onde era o lugar em que se colocavam as ideias que me perturbavam. Ao ver teatro, sabia que queria aquilo, como ator. Nasci artista plástico, isso é importante colocar. Fui, então, fazer cursos que me aproximavam e me davam caminhos para abrir e dar vazão aos pensamentos, criações, ideias e muita vontade de mudar as coisas. Padrões estabelecidos eram um prato cheio para que eu desenvolvesse, com amigos, novos rumos para as coisas. Eu era o amigo com ideias estranhas. Sempre queria mudar o mundo e indicava os caminhos, loucos, na maioria das vezes. Cursei desenho, fotografia, escultura, mas nunca teatro. Meu pai proibia veementemente. Quando encarei uma aula de teatro, tive a sorte de estar num lugar onde a criação era o ponto de partida e também, por mais irônico que seja, foi um curso que me deixou entrar, muito provavelmente, por depender da mensalidade para continuar existindo.
De onde a ideia de fundar a Cia Teatro Epigenia?
Depois de alguns anos estudando e indo para o mercado de trabalho como ator, via que os diretores com quem trabalhava não eram exatamente o que eu buscava. Ao trabalhar com um diretor contratado para dirigir a Unirio, onde eu estudava, vi ali algo que desconhecia: direção de ator. Minha capacidade de criar a forma era natural, nunca tive problemas com ela, ao contrário, preciso administrar a perda de pensar em mais de cinco maneiras de se desenhar uma peça. Mas ser dirigido pela primeira vez foi uma hecatombe! Ele juntava a criação formal com a profundidade conceitual do trabalho do ator. E parecia que eu estava buscando uma razão para tudo que eu criava, pois aquilo tudo precisava de uma base e eu a encontrei, definitivamente, quando comecei a dirigir. Eu costumo dizer que não sou somente diretor. Sou cenógrafo, dramaturgo, design, arranjador, iluminador e também diretor, pois nasci artista. A Epigenia nasce do desejo de aprimorar os atores, o meu ator e o de quem trabalhar comigo. Para isso, durante os 17 anos da Cia, nunca aceitei o conforto de montagens que eu dominasse, sempre me coloquei em perigo e ousei o novo, o desconhecido. Me atrevo a fazer o que não sei.
Bodocongó – poema dramático cinematográfico, espetáculo que envolve elementos da linguagem teatral e cinematográfica, narra a passagem do tempo numa pequena cidade de interior. Como foi sua construção?
Entrei numa sala de ensaio com três atores e um poema de nove páginas, sobre a história de um cineasta que tem como protagonista o tempo e projeta filmá-lo durante 40 anos. Saímos da sala de ensaio com uma peça de 57 minutos, onde 30 deles eram teatro e 27 cinema. Bodocongó é uma ode à criação. Meu único compromisso era criar e contar uma história. Todos os dias eram dias de descobertas. Realmente, tudo nesse projeto é fruto da sala de ensaio.
Como analisa a ideia de teatro como mero entretenimento?
Válido, desde que exista o teatro do pensamento, o político, o filosófico, o social, o musical, etc. O que não dá é ter somente entretenimento, pois não há estrutura numa sociedade torta.
Além de diretor, você é dramaturgo, cenógrafo e ator. Em alguma delas a realização é maior?
O ato de colocar uma ideia no papel com maestria é, talvez, o que mais me desafia. Mas isso, talvez, seja uma dificuldade, por eu conhecer tantos textos geniais. Possivelmente, o resultado favorável de uma peça escrita seja o mais comemorado.
Ao dirigir um espetáculo, costuma compartilhar as incertezas, escolhas e questionamentos com o elenco?
Sempre! Isso não quer dizer que a última palavra seja também compartilhada (rs) Hoje cheguei de um primeiro dia de ensaio, em que disse exatamente isso. Acredito no artista que vai desenvolver uma ideia, uma personagem. Minha sala de ensaio é um lugar onde diariamente trabalho o conceito de gerar possibilidades. Se fosse para dirigir a peça, mandava os atores decorarem o texto e virem para o ensaio para que eu marcasse. Prezo levantar o espetáculo e não apenas dirigi-lo.
Como vê as políticas culturais públicas e as leis de incentivo à cultura?
Não existe política cultural no Brasil e as leis, num mundo ideal, deveriam ser parte de um fundo, que através de uma política cultural, destinasse recursos de acordo com as bases e diretrizes definidas para o bem da sociedade. Importante saber que em nenhuma arte a relação entre os investimentos e os seus resultados resultará, necessariamente, numa parceria com lucros palpáveis. O resultado que os investidores/patrocinadores querem não é o que um país precisa para crescer culturalmente. Na maioria das vezes, projetos que recebem quantias elevadas não resultam em nada relevante. O rumo do teatro brasileiro de qualidade está nos grupos que resistem e no fomento a novos grupos. As leis precisam olhar para o enorme potencial artístico dos grupos, que é o que há de mais contundente em criação, em qualquer lugar do mundo.
Quando a descoberta de David Mamet, um dos grandes nomes da dramaturgia norte-americana contemporânea?
Oleanna foi o primeiro texto que li dele. Para mim, o mais perfeito em técnica e dramaturgia. Em 17 anos de Cia Epigenia, ainda não li um texto que quisesse montar mais do que desejei encenar Oleanna. Depois, foi só mergulhar na obra de Mamet e descobrir que uma trilogia é muito pouco para descortinar o mundo de qualidade dramatúrgica que ele nos proporciona.
No livro Teatro, David Mamet critica o método Stanislavsky de atuação e afirma ser dispensável a figura de um diretor na encenação de uma peça teatral, embora ele próprio também seja diretor. Como interpretar tal declaração?
Ele diz que se as escolas de teatro stanislavskyanas fossem realmente um lugar onde se aprende a interpretar, numa turma de formação de atores com 15 homens, teríamos 15 formandos iguais ao Al Pacino. Todo mundo pode tudo, só não pode qualquer coisa. O Mamet dispensa um diretor, pois creio que já viu muita porcaria. E acho que ele defende a tese de que o diretor bom é aquele que não atrapalha o desenvolvimento, o fluxo do espetáculo. Não vejo como real essa dispensa. É uma ideia para balizar um pensamento. Nunca dirigi ou fiz parte de uma peça que eu achasse que o ator ficaria melhor sozinho. Meu teatro é feito por pessoas, por diálogo. Estar junto sem arrogância e com o compromisso de sempre afirmar-se como o melhor, é um prazer. Criar e estar em harmonia é o Éden. O olhar do artista para as coisas do mundo encontra no cotidiano vasto material para a composição de seu trabalho. O teatro, por meio de sua estética, transforma a realidade da vida no palco, envolve, provoca e reflete as contradições humanas.
Em quase três décadas de carreira, que aspectos de sua trajetória de vida o teatro alterou ou reforçou?
O teatro me deu tudo que tenho e me tirou também muita coisa. Escolhi viver uma vida com emoção. Acertei na mosca. Aquele garoto dos primeiros anos, confuso com as ideias, com imaginação exagerada, está onde deveria estar, pleno e convicto de que seu desenho de vida está sendo traçado a cada dia. Penso que a arte muda as pessoas. E se posso acontecer dessa forma, sinto estar cumprindo uma missão. Acredito e trabalho para isso. Faço o que eu posso. E isso, acredite, é muita coisa!
Os autores da entrevista:
Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.
Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.
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